Preciso dizer

Preciso dizer que, todo sábado, por volta das dez e meia da manhã, um rapaz fedendo a Cheetos embarca no ônibus Parque Continental/Metrô Trianon Masp no segundo ponto da Avenida Jaguaré.

O rapaz veste chuteiras de futebol society azuis, que ele comprou a contragosto, pois preferia pretas. Como estavam fora de linha, teve que se contentar com as coloridas e culpar a gourmetização do futebol. A pelada na mesma noite não deixava que ele adiasse a compra, e seu pé tamanho 40 impedia que ele pedisse algum par emprestado aos amigos, que naturalmente calçam números de acordo com a faixa etária deles, e não com a de um menino no início da puberdade.

O rapaz usa meiões pretos do Corinthians arriados até o meio da canela e, normalmente, está com um short do time inglês Sunderland, comprado por 5 libras na loja Lillywhites, em Piccadilly Circus, Londres. Sua camiseta varia. Às vezes aparece com uma de treino da Portuguesa, cinza e verde, herdada do pai. Outras, uma listrada do Corinthians, de 2013. Também já usou de times europeus e sul-americanos. Tem preferência especial pelas do Arsenal, a do West Ham, a do Estudiantes, a do Celtic e a do Porto.

Carrega nas costas uma sacola esportiva da Adidas e escuta música em fones de ouvido. Seu cabelo está sempre molhado de suor e seu andar é vacilante. Diz bom dia para o motorista e para o cobrador, quando lembra. Usa óculos escuros quando faz sol e um casaco cinza de capuz quando faz frio.

Prefere se sentar no banco da janela, em lugares que não haja ninguém ao lado, pois sabe que é provável que seu odor não seja dos mais agradáveis. Imagina que, quando o vento se torna mais forte, seu cheiro se espalha pelo ônibus e todos torcem o nariz para ele, o rapaz que acabou de jogar duas horas de futebol e está sentado ali, empesteando o ambiente. É bem possível que ele não esteja tão fedido, já que passa desodorante na tentativa de bloquear o cheiro até chegar em casa e tomar banho, mas mesmo assim tende a se sentir o centro das atenções da condução.

O rapaz fica feliz quando o ônibus atravessa o rio e o bodum de esgoto invade as narinas dos passageiros. Imagina que é a mesma sensação de tirar 4 em uma prova e ver o amigo tirar zero. Desce no segundo ponto da Avenida Doutor Arnaldo, para alívio dos que permanecem dentro do ônibus. Caminha alguns minutos, chega em casa, e toma banho.

Acho que não preciso dizer quem é o rapaz.

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