O nome do bloco

Tenho pra mim que uma das poucas coisas que superam a criatividade do brasileiro seja a criatividade do brasileiro quando embriagado. E nesse país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, não há ocasião melhor pra se embriagar do que o Carnaval. É uma mistura maravilhosa que acaba gerando um patrimônio cultural. Não falo das alegorias de escolas de samba ou das letras de marchinhas clássicas, mas sim dos nomes de bloquinhos.

Como sou de São Paulo, confesso ter mais contato com os blocos daqui. Juro que não é um bairrismo prepotente, apenas ignorância. Sendo assim, me apego às folias paulistanas. O nome insuperável continua sendo o do bloco “Arrianu Suassunga”, que espetáculo. Ariano Suassuna, onde estiver, samba de alegria com essa pérola.

É difícil superar, eu sei. Isso não significa que a concorrência esteja muito atrás, o páreo é duro. No quesito trocadilhos com filmes gosto do francês cool versão farra “Amelie Pulando” e do soft porn versão bebedeira “50 tons de pinga”. Trocadilhos, aliás, é o que não faltam em nomes de blocos. É como se todos fossem batizados por um grande tio do pavê carnavalesco.

Acontece com algumas folias que homenageiam artistas, por exemplo. Temos a “Ritaleena”, o “Tô de Bowie”, e o debutante “Samby e Junior”. Gosto especialmente das piadinhas com regiões da cidade, como o bloco “Minhoqueens”, que sai no Minhocão, e o “Mooressaca”, da Mooca. Dessa turma, se destacam blocos que acontecem na Avenida Dr. Chucri Zaindan e na Rua Libero Badaró. São eles os blocos “Chucrute Zaidan” e o ilustre “Libera o Badaró”.

Mas não é só de baixaria que vivemos, a turma dos infantis também merece aplausos. Temos o “Fraldinha Molhada”, o “Berço Elétrico”, o “Mamãe eu Quero”, e o fofíssimo “Ziriguidown”, pra crianças com Síndrome de Down. As melhores características do brasileiro também são agraciadas com o “Me Lembra Que Eu Vou”, o “Marquei de Combinar”, o “Quem Me Viu Mentiu” e o meu favorito dessa galera “É Uma Bosta Mas A Gente Gosta”.

Me agradam também as crias bastardas de outros blocos, como acontece com o “Filhos de Gandhi”, que gerou o “Filhos de Glande” – os caras não perdoam ninguém. O consumo abusivo de álcool, claro, ganha louvores, casos do bloco “Belo Gole”, do “Tomo Junto”, e do “Unidos da Ressaca do Diabo”. Quer mais um trocadilho? Um bloco organizado por judeus em São Paulo se chama “Noiz Quipá”.

Curioso observar, ainda, como a nudez e principalmente a bunda têm local de destaque no batismo dos blocos. O mais conhecido é o “Nu Interessa”, mas também temos o escatológico “Rabusuju” e o sutil “MaiôNuRego”. Gosto de alguns só pela sonoridade. “Cerca Frango”, “João Capota na Alves”, “A Espetacular Charanga do França”. É impressionante a quantidade de nomes fascinantes. Uma pena não entregarem prêmios Nobel pra esse tipo de coisa.

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Preciso dizer

Preciso dizer que, todo sábado, por volta das dez e meia da manhã, um rapaz fedendo a Cheetos embarca no ônibus Parque Continental/Metrô Trianon Masp no segundo ponto da Avenida Jaguaré.

O rapaz veste chuteiras de futebol society azuis, que ele comprou a contragosto, pois preferia pretas. Como estavam fora de linha, teve que se contentar com as coloridas e culpar a gourmetização do futebol. A pelada na mesma noite não deixava que ele adiasse a compra, e seu pé tamanho 40 impedia que ele pedisse algum par emprestado aos amigos, que naturalmente calçam números de acordo com a faixa etária deles, e não com a de um menino no início da puberdade.

O rapaz usa meiões pretos do Corinthians arriados até o meio da canela e, normalmente, está com um short do time inglês Sunderland, comprado por 5 libras na loja Lillywhites, em Piccadilly Circus, Londres. Sua camiseta varia. Às vezes aparece com uma de treino da Portuguesa, cinza e verde, herdada do pai. Outras, uma listrada do Corinthians, de 2013. Também já usou de times europeus e sul-americanos. Tem preferência especial pelas do Arsenal, a do West Ham, a do Estudiantes, a do Celtic e a do Porto.

Carrega nas costas uma sacola esportiva da Adidas e escuta música em fones de ouvido. Seu cabelo está sempre molhado de suor e seu andar é vacilante. Diz bom dia para o motorista e para o cobrador, quando lembra. Usa óculos escuros quando faz sol e um casaco cinza de capuz quando faz frio.

Prefere se sentar no banco da janela, em lugares que não haja ninguém ao lado, pois sabe que é provável que seu odor não seja dos mais agradáveis. Imagina que, quando o vento se torna mais forte, seu cheiro se espalha pelo ônibus e todos torcem o nariz para ele, o rapaz que acabou de jogar duas horas de futebol e está sentado ali, empesteando o ambiente. É bem possível que ele não esteja tão fedido, já que passa desodorante na tentativa de bloquear o cheiro até chegar em casa e tomar banho, mas mesmo assim tende a se sentir o centro das atenções da condução.

O rapaz fica feliz quando o ônibus atravessa o rio e o bodum de esgoto invade as narinas dos passageiros. Imagina que é a mesma sensação de tirar 4 em uma prova e ver o amigo tirar zero. Desce no segundo ponto da Avenida Doutor Arnaldo, para alívio dos que permanecem dentro do ônibus. Caminha alguns minutos, chega em casa, e toma banho.

Acho que não preciso dizer quem é o rapaz.

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O palhaço no cabeleireiro

Às vezes decido, só pra alimentar minha querida amiga procrastinação, que é hora de cortar o cabelo. Nesses momentos, bato pé até o digníssimo salão do senhor Fernando, um cabra arretado que dá um trato nas cabeleiras aqui do bairro e joga conversa fora com qualquer despercebido que passar na rua.

Chego sem marcar hora e pergunto se dá pra cortar, no que ele sempre responde: “dááá”, assim mesmo, com o A alongado, como quem diz “óbvio que dá, sempre dá”. Me ajeito no canto e espero minha vez enquanto ele arruma o telhado e a bigodeira de um vovô barrigudo. Depois me sento e zefini, vejo meu cabelo caindo pelos ombros e se espalhando pelo chão.

Da última vez que fui lá, tudo corria normalmente, até que um palhaço apareceu. Veja, não era um sujeito que não gosto, um vizinho que não vou com a cara, era realmente um homem vestido com roupas de palhaço, um profissional da palhaçada. Ele deu passos desajeitados pra dentro do salão com seus enormes sapatos coloridos e fez uma saudação como quem entra em um picadeiro.

Confesso que fiquei sem jeito. A gente nunca sabe o que faz quando aparece um palhaço fora do ambiente de palhaço. Por exemplo, não é pra rir do palhaço no metrô, é? Ele está voltando pra casa depois de um longo dia de piadas, não me parece simpático dar risada. No cabeleireiro é igual, ele foi lá porque precisava, como qualquer um, cortar o cabelo, nem que fossem aqueles tufos coloridos que eles têm ao lado da cabeça.

Fiquei olhando com auxílio do espelho, tentando parecer invisível. A última coisa que eu queria era que aquele cara começasse a interagir comigo. Eu teria que fingir que sou legal e seria um desastre. Pra minha sorte, nada disso aconteceu. Ele se sentou e se livrou da peruca colorida, revelando alguns fios espalhados em cima de uma cabeça quase careca. Depois abriu a carteira, retirou uma foto do Brad Pitt e entregou pro Jailson, que também corta cabelos no salão.

Todos riram muito, então eu também ri, aliviado por ser um mero espectador. “Se conseguir fazer igual, te levo lá pro circo no lugar do mágico!”, disse o palhaço, vestindo o avental em cima de seu macacão alegre. “E aproveita pra dar uma aparada no Bolonhesa aqui”. Olhei no espelho pra entender melhor aquela conversa. O palhaço se abaixou, começo a passar a mão no ar e disse: “Não é mesmo garoto?! Não é Bolonhesa?! Isso mesmo!”, e se virou pro Jailson, “pode passar a mão, ele não morde…”. Jailson riu encolhendo o pescoço e balançando os ombros: “Oxeee!”.

O cachorro imaginário ainda recebeu água (essa, de verdade) de seu dono antes do corte, o que gerou em todos uma nova onda de gargalhadas. Nessa hora, meu cabelo já estava mais no chão do que na cabeça, e outro cliente chegou. Fernando disse que dava, claro que dava, para cortar o cabelo dele, e finalizou o meu num instante.

Olhei minha cabeça de ovo no espelho, ajeitei o topete e fui ao banheiro. Quando voltei, vi o novo cliente esbravejando algo sobre política com a cara vermelha e o olho esbugalhado e, do lado oposto, o palhaço dando uma flor pra uma das manicures.

 

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Edvaldo

Distraído na entrada do prédio, assobiando alguma música chiclete de qualidade questionável, sou surpreendido por Carlos, o porteiro da tarde, que vem com notícias péssimas. “Edvaldo morreu ontem”, diz de dentro da cabininha, parando por um segundo de batucar a tela de seu celular.

Olho assustado. Edvaldo? Não pode ser. Edvaldo é muito jovem para morrer, deve ter lá seus 45 anos, se muito. E outra, é porteiro antigo, da velha guarda do prédio, folclórico. Esses não morrem, se aposentam com festinha na portaria e vaquinha de bota fora. Mas Carlos confirma, pesaroso. Caiu na rua e bateu a cabeça, deu piripaque, foi direto para o hospital. Dez dias na UTI e foi isso.

Penso vários palavrões e falo só alguns. A gente não espera que o porteiro vá morrer assim, como os outros morrem. O porteiro entrega as cartas e fala de futebol. O porteiro dorme de madrugada e a gente grita lá da rua para acordar. Interfonamos para ele deixar o Gol preto entrar na garagem. Ele interfona para a gente ir pegar a pizza. Tem que ser isso, sem esse papo de morrer que, francamente, não está com nada.

E o Edvaldo ainda? Não pode. Eu era fã daquele baixinho atacarrado. Seu sorriso fácil, o sarro diário. A primeira vez que o vi, vestia uma camiseta da banda Calcinha Preta, adquirida, segundo ele, em uma pechincha num bacião do Largo da Batata. Mais para frente o sindico definiu que os porteiros vestiriam camisa social e calça, uma atrocidade, mas nem assim o Ed deixou de ser o Ed.

Ele ainda tinha uma inconfundível marca, o edvaldês. Sua língua própria, uma mistura de português com sotaque cearense e gírias totalmente inventadas por ele. Tudo isso embalado por um ritmo de fala que faria inveja a qualquer repentista ou vocalista de banda de heavy metal. Era passar pela portaria que lá vinha o Edvaldo metralhando um edvaldês incompreensível seguido de gargalhada. Eu respondia qualquer bobagem e ria junto, em uma conversa improvisada. Às vezes, passando pelo boteco da esquina, avistava o Edvaldo, copo na mão e conversa fiada. Ele me via e, de primeira, mandava:“Ô Pedrão, hoje só amanhã!”.

Ele era meu preferido, mas sinceramente, talvez isso não valha de nada. Nunca falei isso a ele. Nem fiquei sabendo que estava internado. Não fui ao velório ou ao enterro, não liguei para nenhum parente para prestar condolências. Nem sei se tinha parentes. Fico matutando isso enquanto escrevo essa meia dúzia de palavras que não servem para muito.

Me sinto mal e penso que falei com Edvaldo por quase todos os dias durante anos, mas mesmo assim, pouco sabia sobre ele. O via sempre, muito mais que familiares ou amigos. Ele me acompanhou crescendo, da pré-adolescência até a vida adulta, mas nunca seríamos convidados para o aniversário um do outro. Ele abriu o portão para todos que vieram em casa, me ajudou a sair quando quebrei a perna, e não sei se era casado, se tinha filhos. É uma proximidade gigante e, ao mesmo tempo, uma distância equivalente.

No elevador, no dia seguinte, leio o obituário. Seu nome em negrito, Edvaldo Severino Alguma-Coisa Tavares. Dividíamos o mesmo sobrenome e eu nunca soube. Talvez fossemos até parentes. Aquilo me atinge em cheio. Porra primo Edvaldo, que cagada.

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No meio do caminho, um passarinho

Os dias em que trabalho em casa são felizmente muito monótonos. Vez ou outra algo de marcante acontece, como um louco gritando na rua ou um filme ruim reprisando pela milésima vez na televisão, o que me faz abandonar o trabalho e me dar de presente uma tarde de folga e uma madrugada correndo atrás do prejuízo. Fora isso, é sempre a mesma coisa. Horas sentado de frente para um computador, batucando teclas e escapando de vez em sempre para redes sociais e páginas de conhecimentos inúteis no ciberespaço.

Para a minha surpresa, no entanto, ontem foi um desses raros dias com algo marcante na calmaria da tarde em casa. Algo não, alguém. Numa dessas pausas de procrastinação, fui à cozinha tomar um copo de suco e decidi esticar as pernas e respirar o ar fresco da área de serviço. Antes que soe tolo para o leitor de fora, devo dizer que nós paulistas somos assim, pegamos trânsito para ir até uma academia pedalar em bicicletas que não se movem e vamos atrás de ar puro na área de serviço.

Na realidade, a única coisa estranha foi o que vi quando cheguei lá, um pequeno pássaro verde passeando descompromissado pelo piso. A estranheza não foi pelo animal em si, mas pelo local em que ele se encontrava. Por anos minha área de serviço foi local de aterrissagens de mariposas peludas, baratas voadoras e bitucas de cigarro vindas de apartamentos mais altos (ou de algum anjo tabagista e porcalhão, nunca tirei o ocorrido a limpo). Porém, de fato, durante todos os anos em que moro no mesmo apartamento, nada tão belo havia me visitado pela janela da área.

Era um passarinho verde com detalhes vermelhos na nuca e pequenos olhos pretos, como sementes de chia. Ele percebeu que era observado e balançou sua cauda para os lados, dando ritmados passos para longe de mim. Pensei então em evidenciar meu status amigável, oferecendo-lhe comida, mas não consegui achar nada que pudesse agradar o bicho em uma rápida vasculhada na cozinha. Sem ideias, peguei um punhado de alho granulado e joguei na direção dele, que se esquivou e patinou para trás da máquina de lavar com um olhar assustado. Pude ler em seu semblante algo como: “o que você está fazendo, mano? Me deixa em paz, sai daqui.”.

Perdi o bichinho de vista. Assoviei e tentei chamá-lo de volta, mas o pequeno havia se enfiado atrás da máquina de lavar como uma criança que chora escondida. Afastei um pouco o eletrodoméstico e o vi junto à parede e em volta das bolas de poeira que se acumulavam. Quis pegá-lo com cuidado e devolvê-lo para a natureza, mas não prossegui com esse pensamento heroico e um tanto irreal. Sou mais do tipo que enclausura mariposas em caixas de sapatos para depois sacudi-las na janela rezando para que não voltem voando na minha cara.

Resolvi deixar o pássaro ali e observar de tempos em tempos se havia se movido. Fiz uma pequena trilha com farelos de torrada (após rápida pesquisa na cozinha, imaginei que seria melhor que alho, e agora, escrevendo esse texto, me lembrei de frutas. Como não pensei em frutas?). Fechei as portas por perto e dei apenas uma saída para meu amigo, a enorme janela escancarada bem em frente. Em meus primeiros retornos ele continuava sem se mover, encolhido e me encarando com seus olhinhos negros. Tentei empurrar a máquina para ver se causava alguma reação, mas tomei um choque de chacoalhar o corpo inteiro, o que julguei ser um aviso divino para eu ter paciência.

Voltei algum tempo depois e, ao esticar o pescoço para ver atrás da máquina, só avistei as feias bolas de poeira, nada verde ou bonito. Coloquei tudo no lugar, abri as portas e mantive a janela aberta, para o caso de o passarinho querer voltar. Não é que eu não goste da monotonia, mas um passarinho às vezes vai bem.

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Garnett

O americano Kevin Garnett é um dos grandes jogadores da história da NBA, a liga de basquete dos Estados Unidos. Na temporada de 2003/04, foi eleito o melhor jogador, o que elevou seu status a um dos melhores, se não o melhor a vestir a camiseta regata dos Minnesota Timberwolves. O estilo de jogo do ala-pivô de dois metros e onze de altura é muito característico. Garnett é uma fera dentro de quadra.

Explosivo e temperamental, é conhecido por se utilizar muito do trash talk, a artimanha de falar besteiras na orelha do adversário. Durante toda a partida, quem estiver por perto é recebido com insultos, provocações e tudo que KG conseguir usar para desestabilizar o oponente. Seu ponto forte, ao longo de toda a carreira, foi o toco, movimento de bloqueio de uma tentativa de cesta adversária, o que, por vezes, pode ser um tanto humilhante. A moral é: Ninguém quer receber um toco, especialmente dele.

Mas neste momento, até o leitor menos concentrado, que vai lendo as linhas pensando no que vai jantar, no que devia ter falado naquela reunião do trabalho, deve estar se perguntando: “Ok, mas e daí? O que isso tem a ver com qualquer coisa?”. Pois bem, explico a curiosidade antes que perca ainda mais a atenção do amigo. Justamente essas características de Kevin Garnett o tornaram parte do vocabulário usado por mim e pelo meu grupo de amigos. Tudo isso fez do nome do jogador, uma gíria para nós.

Parece estranho e difícil, mas resumo. Todo grupo de amigos possui histórias, piadas internas e linguajar próprio. Muitas vezes, se ouvirmos de fora, não entendemos nada do que está sendo conversado. Meu grupo de amigos não é diferente, e entre outras dezenas de expressões que nós utilizamos, “Garnett” virou uma das principais.

Usamos, por exemplo, para nos referirmos àquele famoso pé na bunda. Há quem use o termo “bota”, e também os que preferem dizer “fora”. “Toco” é utilizado constantemente, mas nós preferirmos ir por “Garnett”. E então, como foi com a garota? Tomei um baita Garnett.

O sentido é total. Se o jogador de basquete é especialista em tocos, por que não tornar seu nome sinônimo? O mesmo acontece com outras gírias. Quando saímos mais cedo do trabalho é comum falarmos “hoje dei um Ronaldinho no trampo e vazei”. Olha para um lado, toca para o outro e vai para casa antes que alguém o veja, meu camarada.

E nos entendemos muito bem falando dessa maneira. É até mais legal, único, original. Nos dá o sentimento de exclusividade (que estou destruindo agora, compartilhando a expressão).

Gosto de Garnett por que é real. A coragem para se aproximar de alguém que nos interessa, dizer oi, puxar conversa ou convidar para um drink e uma dança desengonçada é a mesma necessária para furar a defesa adversária driblando, infiltrar o garrafão e tentar a cesta. Às vezes tomamos toco. Bloqueio. Rejeição. Porta fechada para você, amigão. Às vezes o toco é de um negrão de mais de dois metros que grita impropérios na sua cara. O não de alguém pode ser tão ruim quanto. Daí vem o “Garnett”.

A vida é feita desses momentos, de Garnetts inesperados e doloridos. Devemos superá-los, aprender com eles. É como um jogo de basquete, existem erros e acertos. E tempo suficiente para se recuperar. Existem bandejas, lances livres, passes incríveis. Também faltas duras, tocos humilhantes. E aqueles momentos inesquecíveis, como as cestas de três pontos. Ah! Que beleza são as cestas de três pontos do meio da quadra com o cronometro zerado, não?

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Meu amor

Nunca fui daqueles que esperam o fim de semana como quem espera a pessoa amada no aeroporto. Ansiosos, palpitantes, com o coração saindo pela boca. Alguns já começam a sentir o sabor da porção de frango à passarinho e da cerveja gelada na quarta-feira, idealizando cenários perfeitos para que a santíssima trindade dos dias –  sexta, sábado e domingo –  não seja desperdiçada.

Me aposentei cedo nesse negócio de noite, balada e curtição. Não que eu tenha tido uma carreira sólida, mas creio que cheguei a uma fase em que minhas aparições estão cada vez mais escassas, ora aqui, ora ali, como um jogador em fim de carreira que aparece de vez em quando em um jogo comemorativo do tipo amigos de fulano VS amigos de beltrano.

O sofá tem sido meu companheiro inseparável. Os amigos, substituí por comida, assim como a namorada, que me vem em forma de uma carinhosa manta, ou um acolhedor edredom. A chave de ouro é um filme qualquer, seja um clássico ou um dos que temos vergonha de gostar, mas nos divertimos até mais que os clássicos. Voilá, está feita a noite de sábado, sem remorso algum.

Outro dia estava assistindo um desses filmes da categoria “vergonha de falar para os outros que eu escolhi assistir”. Esses que a gente nunca colocaria no nosso top 50 ou citaria entusiasmado em uma conversa sobre os últimos que vimos. O problema, no entanto, era que além de vergonhoso, o filme era ruim. Fui me obrigando a continuar, entorpecido pelas batatinhas cebola e salsa, mas o não definitivo para aquela obra apareceu no diálogo seguinte.

A cena é de término de relacionamento. A mocinha, linda de morrer, mas com algumas atitudes estranhas e miolos a menos, se vira para o galã, um rapaz meio banana e inexpressivo, e brada: “Ninguém nunca vai te amar como eu te amo!”. Tan-dan! Música de frase impactante, foco no olhar dela e depois no dele, arrependido. Ela sai vencedora, poderosa e de nariz em pé, orgulhosa de sua fala destruidora. Ele, desolado, finalmente se dá conta da bobagem que fez. Não sei como termina.

O problema é que eu entendi tudo ao contrário. Para mim, o invés da moça sair por cima, como era o intuito do filme, ela foi realmente canalha em sua colocação. Incluindo o fato de que nenhum personagem era cativante e é bem provável que no final (que eu não assisti) eles tenham ficado juntos com um beijo bonito no Central Park ou na Times Square, esse foi o pecado mortal.

A frase reflete o egoísmo gigante que vivemos hoje em dia, algo que se espalha até em áreas como o relacionamento, o amor. Além de ser uma chantagem emocional óbvia, o que já me motivaria, se eu fosse o tal galã bananão, a sair feliz da vida de lá, sabendo que o término foi a escolha certa, é uma frase que supõe banalidade. A mocinha acha natural, assim como muitas pessoas que falam esse tipo de coisa, afinal de contas, como amar alguém pode ser ruim? É uma simples demonstração de sentimentos.

“Ninguém nunca vai te amar como eu te amo” é a fala de alguém que não se importa com o outro e vive uma relação unilateral. Como alguém poderia te amar? Eu sou o(a) melhor em te amar! Você nunca vai conseguir ter alguém como eu! A pessoa se coloca superior e rebaixa o outro, que é incapaz de receber amor. A violência psicológica da frase é tratada com normalidade no filme, como algo positivo, um alerta para o personagem que estava perdendo a grande chance da vida, supostamente. O egoísmo absurdo que aquilo mostra é ignorado.

Mesmo com o filme nos primeiros vinte minutos, desisti daquilo e fui procurar outra coisa para fazer, igualmente sem remorso. Sai com amigos, de carne e osso, para comer frango à passarinho e tomar cerveja gelada. Foi ótimo, por mais que eu goste do meu sofá e do meu edredom. Amor tem para todo mundo.

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Acabou?

(contém spoilers)

Os primeiros dias de 2015 já foram um aviso de que a coisa seria complicada. Os ataques ao jornal francês Charlie Hebdo foram o início de um ano que prosseguiu distribuindo dúvidas. Afinal, o vestido era preto e azul ou branco e dourado?

Uma questão sem importância como essa bem que poderia ter sido a marca desses 365 dias, mas infelizmente, não foi o que se passou. Mariana se atolou em lama, refugiados morreram tentando a vida, e a gente ficou com esse enorme ponto de interrogação flutuando acima das nossas cabeças. O que está acontecendo?

Paris iniciou e terminou o ano sendo alvo de terrorismo, o que nos deixou com a amarga sensação de que nada mudou.

No Brasil, realmente, parece que vivemos uma reprise de anos anteriores. Os petralhas e coxinhas continuam seu embate a todo vapor, com novos capítulos diários. Pelo que parece, ou o Brasil vira Cuba, ou vamos matar todos os pobres e viver uma era bolsonarista. Ainda não achamos o meio termo.

A seleção, com um futebol paraguaio, foi eliminada da Copa América pelo Paraguai, e Neymar, após a partida contra a Colômbia, deixou a competição. Replay de 2014. O que não foi igual, mas que todo mundo já sabia, é que a FIFA estava mais suja que pau de galinheiro, e algumas máscaras, felizmente, começaram a cair.

Falando nisso, (estou citando o país sede da FIFA, a Suíça, e não a corrupção, longe de mim), Eduardo Cunha declarou que não possuía contas na Suíça, depois lembrou que poderia ter umazinha ou, estourando, duas. Ele também acatou o pedido de impeachment, o que nos levou a correr para o Google e pesquisar como se escrevia esse troço. Im-pi-ti-man. Ficou mais uma dúvida no ar.

Michel Temer também quis aparecer um pouco no jornal e, aproveitando a queda do Whatsapp, enviou uma cartinha para Dilma. Quando a carta vazou para a imprensa, para a surpresa geral da nação, ficamos sabendo que eles não são tão amigos e que o vice (decorativo), gostaria de brincar mais de presidência.

Outra questão que movimentou a opinião pública e gerou milhares de textos de facebook foi a tal da maioridade penal. Dezesseis ou dezoito, afinal? Prender ou educar? No fim, cada um ficou com sua resposta, como sempre.

Faltou água em São Paulo? Para uns, faltou. Para outros, claro que não. Aliás, racionamento é invenção de nossas cabeças. A polícia desceu o cacete nos estudantes que queriam estudar, afinal de contas, lugar de criança é na escola, e não na esc… Calma, me atrapalhei todo aqui. Acho que é por causa do tanto de televisão que vi esse ano, o que me confundiu inteiro.

O Jon Snow levou várias facadas e ficou deitadão de olho esbugalhado, mas logo depois apareceu no pôster da temporada nova. Aí eu fique igual ele, sem saber de nada. A Xuxa estreou um programa cover da Ellen Degeneres na Record, enquanto estava todo mundo assistindo Masterchef e achando a final um saco.

A bunda da Paola Oliveira foi um sopro de alívio em meio ao caos que 2015 proporcionou e pudemos, pelo menos uma vez, nos sentir unidos. Descobrimos “falsianes”, enchemos nossos computadores de memes do John Travolta e dançamos junto com um tubarão descoordenado carinhosamente apelidado de left shark. Corremos atrás da senhora junto com aquela repórter e gritamos: Senhora!? Senhora!? Assistimos juntos o novo filme da saga Star Wars e, vamos combinar, nos emocionamos juntos também.

O casamento igualitário foi aprovado nos Estados Unidos e as redes sociais se encheram de fotos com arco-íris. Alguns reclamaram das fotos, e outros reclamaram dos reclamões. Houve também os que reclamassem dos que reclamaram das reclamações, então foram sendo criadas inúmeras camadas e eu já não sabia do que as pessoas estavam reclamando.

Mulheres foram corajosamente se abrindo em relação aos machismos que já sofreram, e alguns homens entraram na onda também, já que ninguém resiste a um likezinho no facebook.

E então ficamos com a dúvida final. Já acabou, Jéssica? Ta quase…

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Por um fio

Me deito de barriga para cima, encarando o teto e abro a boca. Aaahhh… Junto as mãos como se o hino nacional fosse ser executado e seguro um papel toalha. Logo um enorme olho mecânico me encara e joga luz sobre meu rosto, me cegando temporariamente. O silêncio é cortado pela melodia inicial de Careless Whisper, acompanhada pela chamada da Alpha FM. Não há dúvidas: Estou no dentista.

Minha tia coloca a máscara branca e pega seus apetrechos. A cabeça do espelhinho encosta e gela a parte de dentro da minha bochecha, abrindo espaço para uma vareta com um pequeno gancho na ponta, que cutuca meu dente e sangra minha gengiva.

O que vem a seguir eu já sei. Todos nós sabemos. “Pedro!”, sim… Sim. Estou ciente do meu relaxo e sei que mereço a bronca, então concordo com qualquer coisa que seja dita. Conheço o roteiro de trás para frente, e não demora para que a pergunta seja feita.

− Você tem usado o fio dental?

Antes de tudo, preciso deixar claro que não sou um total relapso com minha higiene, como pode estar parecendo. Mantenho uma média boa de escovação diária com direito a bochecho com aqueles líquidos multicoloridos da família do Listerine. O problema é justamente o fio dental, que muitas vezes passa batido nesse ritual.

É certo que me lembro, vez ou outra, do pequeno cordão, mas não consigo carregar apreço por ele. Sua engenharia é complicada para mim, existem macetes que eu não entendo. As mãos acabam batendo no nariz, na orelha, no queixo. Eu babo na camisa, me irrito com a teimosia do bicho que não quer se enfiar entre os molares.

Às vezes, paro o que estou fazendo, me olho no espelho e vejo uma cena ridícula que me impede de continuar tentando. Eu, congelado, em uma pose bizarra, com a boca escancarada, os olhos arregalados, me contorcendo para enfiar um barbante perto dos sisos.

Não é nada glamoroso passar fio dental. Já viram a Scarlett Johansson fazendo isso? Nos filmes e novelas, todo mundo escova os dentes, mas passar fio que é bom… Comerciais também não estimulam a prática. É enxaguante bucal para cá, pasta para lá, e o chato do fio dental ninguém quer saber.

E outra, esse negócio dói para caramba. É sangue escorrendo para todo lado, uma carnificina. Uma cena horrível. E por mais que os dentistas falem “onde sangra é que se tem que passar o fio, para que não sangre mais”, se eu nunca passar o fio, também não sangrará, não é? Fácil, fácil.

Obviamente é papel do dentista insistir conosco nesse quesito, mas não é irônico como o trabalho deles depende de nós ignorarmos o que eles dizem? Se toda vez que um dentista mandar o paciente passar fio dental o paciente realmente fizer isso, seus dentes ficarão limpos e o dentista ficará sem trabalho e, consequentemente, sem dinheiro.

No meu caso não funciona bem assim, já que minha dentista é minha tia e eu não pago as consultas. O problema é que eu esqueço mesmo, só isso.

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Especialista

Virei especialista em todos os esportes do Pan-Americano. Assim, do nada mesmo. Outro dia fui ver e sabia tudo sobre todas as modalidades disputadas. Uma coisa meio kafkiana, numa noite era um leigo, e ao acordar estava completamente mudado.

Sei tudo. Os principais atletas, os países mais bem cotados para o ouro, os azarões, os que estão ali só para participar. Conheço também o linguajar específico de cada esporte, assim como suas regras, sua história, tudinho. Sou uma enciclopédia completa.

Apesar da repentinidade do acontecimento, sei bem que ele tem data de validade. Assim que a pira for apagada, cada um pegar seu avião para casa, os refeitórios dos atletas forem transformados em Mcdonalds, e os jogos acabarem, passarei, novamente, a ser um zero à esquerda em relação a qualquer esporte menos noticiado pela grande mídia.

Da maneira que começou, irá acabar, mas por enquanto aproveito. Olho a canadense se aquecendo para sua apresentação nas barras paralelas assimétricas e penso: “Essa aí é fera! Última campeã olímpica!”. De fato, nunca vi aquela moça na vida, mas meu faro de especialista não se engana.

“Esse cubano entrou muito de lado no cavalo com alças, estava na cara que ia se desequilibrar”. Passei a entender sobre a prática das modalidades também. “Vai Daniele! Solo é sua melhor prova!”. Sim, eu sei que é, sempre soube. Troco de canal.

“Pô, juizão, Wazari?! Ta na cara que é Ippon!”. Esqueci de mencionar, sei golpes de judô agora. “Yuko nele! Ah garoto!”. Levanto do sofá e torço por um completo desconhecido com o mesmo entusiasmo que alguém torce pelo próprio irmão. “Puts, está fugindo da luta… Vai tomar um shido logo, logo”. Minha especialidade me faz entender tudo que está acontecendo.

Passo a comentar com as pessoas, discutir as chances de atletas que eu desconhecia até os ver entrando na água, vestindo maiôs e óculos de natação. “Léo de Deus nada muito!”, “Joana Maranhão é muito rápida! Evoluiu demais!”. “Olho nesse uruguaio aí ein, moleque promissor!”. “Vai! Vai! Nada! Braçada! Respira! Vamos! Aeee!!”. Que lindo, Brasil, é ouro. Torço por essa medalha desde que me lembro! O esforço foi recompensado!

E o remo então? Acompanho desde menino. Vôlei de praia é, sem querer contar vantagem, minha área de mais expertise. Tenho um blog sobre ciclismo que está bombando e a Folha de S. Paulo acabou de me chamar para escrever uma coluna semanal com perfis de jogadores de pólo aquático. De luta Greco-romana não entendo nada.

E isso é só o aquecimento para as olimpíadas. Tão bom ser um especialista.

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